Eu
não me preparei para isso, não sei se alguém nesse mundo estava preparado para
o que aconteceu, os fatos foram escondidos pelos governos e quando finalmente
revelaram tudo já era tarde demais, o mundo estava perdido, não tinha mais
volta, tudo se tornou uma fração do que era. Os primeiros a se infectar foram
obviamente os mais pobres, das periferias da cidade, enquanto os jornais
noticiavam o que acontecia e mostravam o terror na vida dessas pessoas. O
exército não sabia o que fazer para conter o avanço zumbi, no começo ainda
temiam estar matando pessoas inocentes, isso fez a infecção se alastrar mais
ainda, quando finalmente chegou nas grandes cidades, o fim da humanidade como a
conhecemos estava perto.
A
maioria das pessoas tinha sido educada para essas situações em filmes, livros
ou séries, nada disso adiantou quando a hora de encarar essas criaturas chegou,
eu sempre ria daqueles personagens em filmes que morriam por pura burrice, mas
na vida real isso acontecia a cada minuto, seria cômico se não fosse trágico,
famílias dizimadas sem pudor ou perdão, zumbis não tinham consciência, e se
tivessem estava bem escondida. Matavam sem demonstrar remorso ou compaixão,
eram mortos, mas ainda andavam com os vivos, e sussurravam palavras sem sentido
enquanto tentavam morder qualquer um que ainda não tinha sido infectado, suas
peles apodreciam depressa sem o alimento, que eram nós.
Tudo
foi parando de funcionar na cidade, ônibus, mercados, farmácias, escolas,
hospitais, a rua ficou deserta com a exceção dos mortos-vivos que cambaleavam
pelo chão, morávamos encima de um mercado, quando o dono foi embora trancamos
tudo, da janela vi coisas terríveis acontecer, crianças sendo mortas sozinhas,
membros arrancados e devorados com crueldade absurda, eles não tinham mais
nenhum traço humano.
Durante
um bom tempo estávamos protegidos, tínhamos uma certa fartura de comida, eu e minha
mãe não podíamos reclamar, com várias pessoas sofrendo, nossa situação era até “boa”.
Com a falta de luz, passávamos o tempo conversando e lendo livros, enquanto
escutávamos gritos distantes, e a noite com o silêncio na escuridão vinha o
gemido em conjunto dos zumbis, aquilo me dava uma agonia no coração, fiquei
dias sem dormir por conta disso, cada noite parecia uma eternidade.
Os
únicos lugares que as pessoas habitavam eram os prédios e edifícios, qualquer
casa no térreo ou era invadida por zumbis ou por pessoas desesperadas. Nos
primeiros dias da transformação eles eram fortes e ágeis tanto quanto eram em
vida, mas depois de algumas semanas o corpo ia se deteriorando se não se
alimentassem, sentiam nosso cheiro e escutavam o mais baixo dos barulhos, não
eram iguais nos filmes que destruindo o cérebro eles paravam, os corpos
continuavam a caminhar mesmo sem cabeça, era comum ver braços ou pernas
mutiladas no chão se mexendo.
Em uma noite mais tranquila que o normal,
escutamos uma criança chorando na rua, ela estava perto de uma árvore, seu
choro desesperado estava atraindo uma quantidade enorme de zumbis, minha mãe
quis muito ajudar mesmo isso podendo interferir na nossa própria segurança, mas
era mais que nossas vidas e a da criança que estavam em jogo no momento, o que nos
fazíamos ser humanos também estava em jogo, se deixássemos aquela criança
morrer ali devorada ficaríamos internamente igual aos mortos-vivos.
Descemos
rápido porque estavam se aproximando, minha mãe queria mais do que tudo salvá-la,
durante toda essa ocupação zumbi ela ficou muito incomodada de não fazer nada
durante todo esse tempo. As noites eram mais escuras agora sem iluminação, o
que deixa mais fácil um zumbi aparecer de surpresa, e infelizmente foi o que
aconteceu com minha mãe, ela conseguiu pegar a menina assustada, mas um zumbi
atrás da árvore surgiu e mordeu o seu braço, arrancando um pedaço.
Fui
atacado também, mas consegui escapar da mordida, corremos de volta para casa,
nosso portão ficou cercada de zumbis forçando para entrar, ela me olhou no
fundo dos meus olhos, ambos sabíamos o que estava para acontecer, as lágrimas
queriam cair, mas ela pediu para ser forte, eu necessitava sobreviver,
entramos em casa depois de trancar tudo, ela não fraquejou nem por um momento
com a criança nos seus braços em choque, eu sabia que ela estava condenada, mas não podia deixá-la.
Mesmo não querendo demonstrar, ela estava com muita dor, o sangue
escorrendo pelo seu braço já tinha uma cor diferente, mais preto que o normal,
as bactérias da boca do zumbi eram muito contaminadas. Peguei o que pude de
primeiros socorros para tentar estancar o sangramento, ela já estava queimando em
febre. Estava mais apavorado do que ela, eu tremia sem parar, rezava por uma
solução milagrosa, pois a podridão foi tomando conta do braço e rapidamente se
espalharia pelo resto do corpo a transformando no inevitável.
A menina encolhida em um canto da sala olhava apavorada tudo
aquilo, minha mãe em sua extrema ternura me pediu pra cuidar dela. Queria ir
pra rua de qualquer jeito se transforma lá, mas isso não pude deixar, a amarrei
enquanto percebia o seu olhar humano desaparecer.
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