Ela acordou com os barulhos vindos da
cozinha, isso já fazia parte do seu cotidiano, mas ficou aterrorizada quando
sua mãe gritou lá de baixo, por um momento Andressa pensou em se levantar e defende-la
desistiu quando escutou os passos subindo os degraus da escada, se apressou em
sair de baixo das cobertas e descer da cama, correu pegou seu terço e se
escondeu dentro do armário, as lágrimas recém tinham caído dos seus olhos
quando a porta do armário foi aberta violentamente. Andressa foi puxada para
fora sem o menor cuidado, bateu sua cabeça no chão e deixou seu terço cair, foi
arrastado pelo pé para fora do quarto, a única coisa que ela viu foram aqueles
olhos vermelhos sangue fixos nela.
Andressa acorda como se estivesse
dentro de uma piscina, tamanho era o seu suor, sua cabeça estava girando e doía
muito, com dificuldade ela se levanta e fica um tempo sentada na cama até ouvir
batidas na sua porta.
- O que está acontecendo aí? – uma
velha estava no outro lado da porta.
- O que você quer? – Andressa com os
olhos ainda um pouco fechados.
- Eu não consigo dormir com esses
gritos.
- Que gritos?
- Os seus, não aguento mais essa
gritaria de noite, eu preciso dormir, esse negócio de “Para pai! Eu quero meu
pai.” Tem que parar ou vou falar com o sindico. – a velha estava bastante
braba.
- Faz o que quiser velha louca, só
não bata mais na minha porta. – Andressa fechou a porta na cara da velha.
Andressa caminha até a geladeira, mas
se decepciona, pois não tinha nada pra beber, não vou conseguir dormir sóbria
ela pensou, as cenas daquele pesadelo estavam voltando pra sua mente, porque não
eram simples sonhos, eram memórias.
A rua estava deserta, a madrugada era
convidativa pra alguma coisa terrível acontecer e ela sabia muito bem o que
poderia surgir na escuridão, às pessoas normais tinham sorte de não saber o mal
que lhes espreitava, único motivo de não temer era pelas coisas que já tinha
passado, o mal era uma coisa soturna e poderosa, sempre com uma tática nova pra
arrebentar a sua defesa por mais forte que ela seja, ninguém nunca estava livre
de sucumbir a essas forças, e isso era o que deixava Andressa receosa por cada passo
dado, mas pronta pra enfrentar, a luz era intrusa na noite e isso era algo de
se preocupar.
Andressa sabia exatamente onde ir, o
Bar Céus, um lugar que ficava aberto a noite inteira, e onde ela costumava a
conseguir seus trabalhos fora do comum, mas que no momento só queria mesmo era
uma bebida forte. Diversas mesas e cadeiras espalhadas pelo salão, uma banda de
rock bem ruim se apresentando no fundo sem que ninguém estivesse prestando a
atenção, e no outro lado o balcão das bebidas onde se dirigiu sem demora.
O balcão estava cheio, mas ela
conseguiu um jeito de se aproximar, puxando o zíper da sua jaqueta e mostrando
levemente os seus seios, não era a única mulher no ressinto, mas com certeza
era a mais bonita.
- Oi Dulce! – ela cumprimentou a
mulher do outro lado do balcão que fumava um cigarro, já tinha uma idade
avançada ainda mais tão mal cuidada como aparentava.
- Andressa você me deve!
- Eu sei, eu sei, e vou pagar to
juntando dinheiro especialmente pra ti. – Andressa sorriu.
- Toma essa bebida aqui, e sem
confusão aqui hoje, to tentando me manter longe da polícia.
- Sabe que nunca começo nada.
- Não é o que dizem.
A bebida realmente era forte chegou a
queimar sua garganta enquanto descia, seus pensamentos voltaram para aquele
sonho, tateou a jaqueta a procura de um cigarro, mas não achou, já ia pedir um
pra Dulce quando uma mão se estendeu na sua frente com um de prontidão.
- Hector!? – ela levantou o rosto na
sua direção.
- Isso não é hora de damas estarem na
rua.
- Nem de cavalheiros, mas como não
somos nenhum dos dois estamos bem.
- Verdade! – ele falou abaixando a
cabeça.
- O que está fazendo aqui a essa hora
da madrugada?
- Um caso de possessão em uma menina.
- Saiu tudo bem?
- Ainda não, tive que sair de lá pra
tomar um ar.
- Qual entidade está no corpo dela?
- Aí que está o problema a coisa que
está possuindo ela é o mais forte que eu já vi na minha vida.
Andressa foi com ele até a casa onde
a menina estava, amarrada na cama e babando uma espuma preta, a mãe dela os
recebeu, Hector nem a olhou parecia estar envergonhado de ainda não ter
conseguido ajudar a filha dela, já a mãe olhou pra Andressa com os olhos cheios
de esperança, mal sabia que só estava ali por curiosidade e não tinha nenhuma
intenção de fazer algo relevante.
- Fique o mais longe possível e não
fale nada. – Andressa fez uma cara esquisita quando ele falou isso.
- Acha que sou alguma amadora, já
enfrentei mais coisa do que você e todos os seus amigos juntos. – ele não
retornou o olhar.
- Com
a força de Deus Todo-Poderoso, em nome de Jesus Cristo, o Redentor, e pela
intercessão da Virgem Imaculada, ó Deus Espírito Santo: ordenai a todo mal
presente, a todos os espíritos impuros, que nos deixem imediatamente para nunca
mais voltar, que vão para o fogo eterno, acorrentados pelo Arcanjo Miguel, por São
Gabriel, São Rafael. – ele rezou com a mão esticada na menina que
permanecia adormecida.
Andressa se aproximou da menina
alguma coisa estava saindo da sua pele, pequenos vermes saindo de dentro dela,
o cheiro de enxofre era apavorante, a menina desperta como um leão na espreita
para dar o bote, Andressa dá dois passos pra trás e é agarrada por Hector.
- Desculpe, eu sempre gostei de ti,
mas minha alma foi roubada por ela, esse é o único jeito, me perdoa!?
- Cala a boca verme ou vou estraçalhar
a sua alma. – a menina se pronunciou, seus olhos pareciam de gato. – Era você
mesmo que eu queria, Andressa minha doce garotinha, sabe ele ainda lembra de
ti, e lembra muito bem.
- Pare de mentir, quem é você vadia
sofredora dos infernos? – Andressa tentava se desvencilhar de Hector em vão.
- Sabe sim, eu sei que ainda tem
pesadelos com ele, do jeito que ele te tocava de noite, acariciando seu corpo
delicioso e lambendo cada extremidade, quando começou mesmo? Ah lembrei com
quatro anos, não é?
- Cada manto do reduto, cada centímetro
de sua lápide. – Andressa tomou folego pra se lembrar das palavras certas. -
Avínu shebashamáim itqadash shemekha. Tavô malkhutekha, ieassé retsonekha
caasher bashamáim gam baárets. Et léhem huquêinu ten lánu haiôm. Umehal lánu al
hovotêinu caasher mahálnu gam anáhnu lehaiavêinu. Veal teviêinu lidêi nissaiôn
ki im tehaltsêinu min hará. – quando terminou menina caiu na cama.
- Que merda é essa? – Hector estava
assustado.
- Idiota! Nunca aprendeu hebraico. –
Andressa deu uma cabeçada no nariz dele, a soltou sangrando. – Um imbecil
completo é isso que você é, infelizmente ainda te devo algumas coisas, mas só
por isso, só por isso vo salva a sua alma. – ela se ajoelhou diante da cama
juntou as mãos como se fosse fazer uma oração. - Refaênu Adonai venerafê,
hoshiênu venivashêa, ki tehilatênu áta, vehaale aruchá urefuá shelema lechol
macotênu, ki El mélech rofê neeman verachaman ata. Baruch ata Adonai, rofê
cholê amo Yisrael.
Hector não se moveu estava esperando para
ver se ela ia conseguir, tudo ficou calmo durante um tempo o que fez eles
acharem que tudo tinha dado certo. A lâmpada estourou e uma entidade apareceu
nas sombras cantando uma música “A janelinha fecha. Quando está chovendo. A
janelinha abre. Se o sol está aparecendo. Fechou, abriu. Fechou, abriu, fechou.
Abriu, fechou. Abriu, fechou, abriu”.
Andressa teve a sensação que seu
corpo estava sendo atingido por um choque de mil volts, tremeu como nunca antes
na sua vida, já enfrentou dezenas de criaturas das sombras, mas nunca tinha
sentido uma presença tão maligna e poderosa como esta. O quarto parecia
levemente distorcido, como se a aura da criatura estivesse deformando a
realidade, sua força esvaindo sua mente turva, pensou seriamente que perderia a
alma também.
- Pena que não vou conseguir ficar
por mais tempo aqui, mas logo minhas forças estarão completas e vou voltar a te
visitar “minha doce lutadora”. – falou essa ultima parte como se fosse algo que
Andressa reconheceria, e reconheceu, lágrimas caíram do seu rosto.
Assim como apareceu a criatura
desapareceu nas sombras, Andressa recuperou suas forças, mas mesmo assim caiu
de joelhos no chão, estava muito abalada suor corria pela totalidade de seu
corpo, sua mente estava em um turbilhão de pensamentos e lembranças antigas, a
única coisa que ela sabia realmente que deveria descobrir quem era essa
entidade misteriosa.
Andressa colocou a menina de volta na
cama e acordou Hector que estava apagado no chão, chamou a mãe dela que estava
na cozinha rezando enquanto Hector chorava pedindo perdão pelos seus atos,
Andressa nem deu bola para ele foi até a cozinha e abriu a geladeira e
encontrou uma garrafa de vodka, era tudo o que precisava, saiu sem dizer mais
nenhuma palavra, caminhou até sua casa pelas ruas escuras pela primeira vez
temendo o que poderia estar espreitado na escuridão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário