Escrito por James Nungo
& Bruno Costa
Escrever era uma merda.
Fui mal interpretado por muitos, até pelos piores ouvintes. Bêbados, prostitutas e artistas da casa. Desmotivado, rasguei vários rascunhos que eu considerava bons. Poesia? Eu dizia que sim, aquilo era poesia. Recitava na casa noturna mais podre de Orge. Iluminação precária, moscas e cheiro de vómito eram as marcas da Casa da Hiena.
Fui mal interpretado por muitos, até pelos piores ouvintes. Bêbados, prostitutas e artistas da casa. Desmotivado, rasguei vários rascunhos que eu considerava bons. Poesia? Eu dizia que sim, aquilo era poesia. Recitava na casa noturna mais podre de Orge. Iluminação precária, moscas e cheiro de vómito eram as marcas da Casa da Hiena.
Subi no palco de madeira
e dei uns tampinhas no microfone. Tirei o papel amassado do bolso. Coloquei
meus olhos embaçados nos versos. Alguns drogados cambaleavam até o balcão e o
ventilador do teto espalhava poeira. Comecei:
- No lixo
Na dor
Na merda
E no cu!
Cuspo
Letras
No papel higiênico...
Na dor
Na merda
E no cu!
Cuspo
Letras
No papel higiênico...
- Vai te foder, parceiro!
- um homem gritou e jogou um copo de cerveja em mim.
Esquivei do copo, mas a
cerveja molhou minha calça e os versos. Desci do palco, marchei até a mesa do
sujeito atrevido. Acertei um soco na cara dele. Ele rolou da cadeira pro chão.
Cuspi no desgraçado.
Ele gargalhou com sangue na boca.
Ele gargalhou com sangue na boca.
- Se manda daqui. Tua
ladainha não cola. Só tu que faz poesia com a bunda e acha bonito - Ele lançou
um olhar por cima dos meus ombros.
Me virei. Vi cinco homens
de pé. Me encaravam sem vacilar. Um deles puxou uma faca do cinto. Fui recuando
com cautela. Eles avançaram e ajudaram o companheiro a se erguer do chão. Saí
dali.
Puxei o cigarro do bolso
da camisa e acendi, andando pela madrugada. No centro, as ruas estavam vazias.
O vento batia no meu rosto. A fumaça entrava pelo nariz. Fiquei olhando para
atrás o tempo todo. Ninguém me seguiu.
Vi um mendigo deitado na
calçada, do lado, uma garrafa de cachaça estava pela metade. Peguei e continuei
andando. Bebi no gargalo, empurrei tudo e as lágrimas escorreram pelo meu
rosto. Estava puto. Porque eles não gostavam das minhas linhas? Quem eles
pensam que são? Esses porcos mal sabem assinar o próprio nome.
Passei pela Torre de
Orge, aquilo sempre me lembrava um caixão imenso pronto para ser queimado. O
ferro estava corroído e fedia a mijo. Era alta, e diziam que ela já estava
aqui, antes da cidade ser construída.
Mas quem faria uma torre
no meio da África, sem nada em volta? Comecei a pensar na morte e a torre se
tornou mais atraente.
Continuei com passos desequilibrados até chegar na casa da vó Joana.
- Tavares! Isso é hora de
você chegar?! - Minha velha apareceu no portão.
- Desculpa vó... eu...
bebi e... um filho da...
Apaguei.
Só me lembro da ressaca massacrando minha cabeça no dia seguinte. Ouvi batidas na porta do meu quarto e levantei da rede. Fiquei imaginado como fui parar lá. Abri a porta. E tive uma surpresa, era a Vânia.
Ela me enfiou um tapa na cara. Recuei um passo. Coloquei a mão no rosto, incrédulo.
Só me lembro da ressaca massacrando minha cabeça no dia seguinte. Ouvi batidas na porta do meu quarto e levantei da rede. Fiquei imaginado como fui parar lá. Abri a porta. E tive uma surpresa, era a Vânia.
Ela me enfiou um tapa na cara. Recuei um passo. Coloquei a mão no rosto, incrédulo.
- Tu é louco?! Esmurrar o
Joaquim daquele jeito... Sim! Já estou sabendo. Você tem sorte dele não ter te
matado.
- Que horas são? - A
claridade machucava a minha visão.
- Tu está me ouvindo?! -
Ela pôs as mãos na cintura. - Me diz o que aconteceu!
- Você já sabe.
- Quero ouvir da sua
boca. Anda, fala logo!
Fui me sentar na rede.
Ela se escorou na parede.
- Estou cansado. Não
consigo emprego. Gosto de escrever e recitar. Ninguém quer ler minhas poesias.
Coloquei algumas na internet, ninguém vê e si vê, não comenta. Como posso
continuar com isso?
- E socar os outros vai
ajudar em quê?
- O filho da puta jogou
um copo em mim! - Me levantei da rede e comecei a andar pelo quarto. - Era pra
eu beijar ele? Não quero saber dele! Eu preciso de leitores, de motivação!
- Tavares, me escuta! -
Parei e encarei ela. - Talvez, eu possa te ajudar. - ela colocou as mãos nos
meus ombros.
- Como?
- Eu já morei em Khedie,
lembra? Aprendi alguns costumes de lá...
- Você tá pensando em...
- Sim, é isso mesmo.
- Não sei, não entendo
muito disso.
- Eu te ajudo.
Khedie era uma cidade
conhecida pelo uso exagerado da magia negra. Os moradores de lá faziam feriados
em homenagem ao Zamboio e outras entidades macabras. Realizam cultos
sangrentos, utilizando de sacrifícios e pactos. Pensei no assunto, se aquilo
desse certo, eu poderia ser um grande poeta.
- Tudo bem. Vou fazer um
pacto. Mas como se faz isso?
- Me encontra as três da
madrugada, lá na torre. Eu levo tudo e preparo lá mesmo.
Fiquei ansioso até dar o
horário. Cheguei no local com dez minutos de antecedência e a Vânia já estava
lá, cercada pelas quatro pernas de ferro. Me abaixei e passei entre os apoios.
No chão de terra havia um buraco.
- Você disse três horas.
- Olhei meu relógio de pulso.
- Vim antes para preparar
o terreno.
Me aproximei e vi o que
tinha no buraco. Cacos de vidro, papel rasgado, ossos e penas. Ao lado, na
terra batida, um livro de capa preta descansava no chão.
- Pra que serve isso?
- Escolhi o Zamboio para
o acordo. Ele é melhor, usei fetiches de acordo com o gosto da entidade. Ele
prefere restos de animais e material inútil. Você trouxe as suas poesias? Elas
podem servir - Ela sorriu.
- Isso não tem graça.
Vânia puxou uma garrafa da mochila, que trazia nas costas. Despejou um líquido nos fetiches. O cheiro de gasolina subiu. Depois puxou uma faca, cortou uma mecha do cabelo enrolado e jogou na cova.
- Escuta. Quando eu
queimar isso aqui, vou entoar um cântico e o Zamboio vai usar meu corpo. Então,
é só você falar com ele.
- Espera! Falar o que?
- O que você quer. Faz um
acordo, mas não barganha muito, não. Ele é louco.
- E o que ele vai pedir?
- Isso, eu não sei.
Geralmente ele cobra de acordo com o pedido.
- Certo, então queima
logo isso.
- Calma, vê aí que horas
são.
- três e dez - disse consultando
o relógio.
- Vou queimar às três e
quinze.
- Enquanto isso, eu fumo.
Acendi um. Os minutos
passaram com baforadas de fumaça. Olhei as horas e quando tive a confirmação de
Vânia. Entreguei o cigarro, e ela o jogou nas oferendas. A fogueira subiu, ela
resmungou um gemido crescente. Com o livro na mão, começou a entoar o cântico,
palavras incomuns ela pronunciava. Um arrepio gelou minha alma. Os braços dela
dançavam e ela requebrava o quadril largo, com os olhos fechados.
Durante aquela ação, o
céu ganhou um tom negro abissal, engolindo a lua que pairava serena. A torre
rangeu baixinho. Aquele conjunto de acontecimentos além de me trazer mais
arrepios, me inundava com uma sensação excêntrica.
Soou um assobio
proveniente do vento. Era um vento circular, arrastando papeis e levantando
poeira, pensei em sair dali, no entanto a minha gana de se tornar um grande
poeta não me deixou fazer isso.
Vânia começou a flutuar,
abriu os olhos completamente diferentes, no meio da torre. Olhei e vi que eram
amarelos, um amarelo carregado, faiscando na escuridão.
Continua...
Ótimo trabalho na escolha das imagens e agradeço a visibilidade do conto no seu blog. Abraços ^^
ResponderExcluirEu que agradeço, sempre é bom ter ajuda de outros escritores. Espero que escreva mais, abraços.
Excluir