A garrafa de vodka já estava no fim,
o cigarro já tinha acabado, aquelas ruas vazias e escuras pediam pra alguma
coisa anormal acontecer. Andressa coloca a sua jaqueta, molha um pouco seus
cabelos longos e negros, mas quando está prestes a sair seu telefone toca.
- Alô! Eu poderia falar com Dona Amberg?
- Diga o assunto que eu passo pra ela. – Andressa fingindo
ser uma secretária.
- É pessoal o assunto. – a mulher do outro lado da linha
parecia aflita.
- Moça é assim que funciona, a Amberg nunca fala pelo
telefone, fale o que quer ou desligue.
- Como você é educada heim?
- Idem.
- Tudo bem, meu nome é Larissa Goulart, eu acho que tem um
lobisomem na minha fazenda, preciso saber se isso é realmente possível.
- Lobisomem 30 mil.
- Eu não posso paga isso.
- Quanto então?
- Dez mil.
- Feito.
- Feito?
- Passa o endereço de uma vez.
A viagem até aquela fazenda no dia
seguinte foi longa e chata, o que deixou Andressa ainda mais aborrecida, como
precisava urgentemente de dinheiro foi fazer o seu serviço mesmo assim junto
com sua mala com diversos aparelhos misteriosos. Assim que chegou à cidade
descobriu que tinha que ir de carroça por mais duas horas até chegar à fazenda,
entrou em um bar e pediu uma dose de cachaça e um maço de cigarro, tomou outras
cinco doses antes de ir ao banheiro. Andressa tira um pó branco dentro de um
saquinho de plástico do seu bolso, pega com os dedos e aspira aquele pó.
Aquela carroça fedida e velha balançava
feito um liquidificador naquela estrada de chão batido, e isso não era o que
mais a incomodava no momento, dividida com outras pessoas que moravam ali,
roupas surradas e mais fedidas que a carroça.
- O que tu tá olhando? – Andressa estava incomodada pelos
olhares.
- A moça não é daqui né?
- Claro que sou não tá vendo meu bafo de cachaça, só é um
pouco menos fedido que o teu.
- Acho que a moça não deveria ir pra lá, tem um lobisomem
naquela fazenda.
- Espero que tenha mesmo, ele é meu ganha pão.
Várias outras pessoas tentaram puxar
assunto com ela, querendo saber quem era ou o porquê estava indo pra lá, mas
ignorou totalmente. Aquela poeira parecia estar entrando dentro dela, estava a
um passo de bater em alguém quando finalmente chegaram.
A primeira visão que teve quando
chegou foi bem bizarra, doze estacas fincadas no chão no lado da entrada com
carcaças de bois nas pontas, o cheiro era ainda pior que a cena, ela quase
estava arrependida de ter aceitado o trabalho, a última vez que tinha
encontrado um lobisomem as coisas não saíram tão bem, mas a falta de grana era
um fator determinante, comer miojo e tomar vodka todo dia já não estava dando
certo, a vida estava cada vez mais cara, e achar um trabalho sobrenatural
remunerado era raro, ainda mais que quase sempre alguma morte estava envolvida,
conseguir ficar anônima pra polícia mesmo fazendo o bem não era uma coisa fácil
e custava muito, se ao menos alguma vez acreditassem nela pra variar, era
taxada como louca ou até mesmo aproveitadora.
A fazenda era enorme impossível ver o
final dela a olho nu, tinha tanto gado que poderia dizer que eram centenas, a
casa também era enorme parecia antiga, mas bem conservada, assim que bateu na
porta uma empregada abriu e a convidou pra entrar.
- Voltamos ao Brasil colônia?
- Desculpe senhora, o que?
- Senhorita pra você.
- A senhorita é Andressa Amberg?
- Infelizmente pra nós duas sou.
- Venha por aqui, por favor!
- Porque não?
A casa por dentro parecia mais
moderna que do lado de fora, mesmo assim o ar antigo era predominante, Andressa
largou a bolsa no chão e seguiu a empregada, prestando atenção em cada detalhe
da casa, sua visão era boa tanto quanto sua audição, analisou cada canto
querendo perceber alguma coisa fora do comum. Chegou à segunda sala onde um
casal estava sentado no sofá tomando chá com bolacha.
- Graças a deus você chegou, já estava preocupada, achei que
não viria mais. – a mulher estava usando um vestido longo com os braços de
fora, braços esses que estavam muito arranhados.
- Também pensei a mesma coisa.
- Esse é meu marido Eduardo, por favor, sente-se, quer um
pouco de chá?
- Eca não, por favor alguma coisa com álcool empregada.
- Meu nome é Beatriz. – falou irritada.
- Tanto faz.
- Pode trazer Beatriz. – Larissa falou quando Beatriz a fez
um olhar indignada.
- Bem vamos falar do que importa a grana, o faz me rir, a
bufunfa, cadê o dinheiro?
- O mais importante é acabarmos com essa criatura que esta
amedrontando nossa fazenda. – Eduardo falou um pouco indignado.
- Pra ti né! – Andressa falo com um risinho debochado.
- Quem você pensa que é?
- A deusa da destruição, a cavalheira da noite, a salvadora
dos pecadores, ou apenas uma alcoólatra. – Andressa agora estava se divertindo.
- Eu quero que ela vá embora agora, essa louca não pode nos
ajudar. – Eduardo estava com raiva.
Andressa o ignorou, levantou e foi
até Larissa e falou no seu ouvido. – Eu sei do seu casinho com Beatriz, mande
ele ir embora e vamos negociar. – Larissa ficou perplexa por alguns segundos,
mas pensou rápido e mandou Eduardo sair, mesmo ele tendo ficado chocado com
isso. – Não se preocupe, não tenho nada a ver com a sacanagem de vocês, nem me
preocupo com isso, mas quero saber a verdade, não existe lobisomem não é?
- Infelizmente a história do lobisomem é verdadeira, mas como
tu soube de mim e da Beatriz?
- Droga! Pensei que ia me livra disso. – ela se atira no
sofá. – Esses arranhões no seu braço não são de um lobisomem ou de uma queda,
são unhas de mulher, e a tensão sexual que há entre vocês é obvia, só o burro
do seu marido que não percebe.
- E ele não precisa ficar sabendo.
- Claro dês que eu receba meu dinheiro certinho no final
desse trabalho.
- Tem a minha palavra.
- Existem três opções até o momento de ser o lobisomem, vocês
duas e seu marido, mas como nunca vi de um lobisomem ser uma mulher, por isso
fiz essa cena pra ele sair.
- Não pode ser.
- Pra minha sorte pode sim.
Andressa andou por toda a fazenda até
escurecer, de cavalo com Larissa e depois a pé sozinha, falou com todos os
empregados, tomou nota de tudo, cada detalha podia ser crucial, precisava
provar que Eduardo era realmente o lobisomem, pra matar um era necessário uma
bala de prata benzida bem no coração exatamente como vários filmes e livros
mostravam, menos o fato que se ele te morder a pessoa mordida viraria o
lobisomem, isso de fato ficava apenas na ficção romântica.
Aquela era a exatamente a primeira
lua cheia do mês, com certeza o lobisomem ia dar as caras, precisava estar
pronta porque lobisomens eram feras extremamente violentas e fortes. Andressa arruma
sua arma com as balas de prata, coloca uma jaqueta especial resistente até a
tiros, tomou um banho de agua benta, agora era só esperar algum sinal dele.
A casa foi trancada a noite apenas os
quatro ficaram lá dentro, o resto dos empregados tinham sido dispensados, era
perigoso, mas era o único jeito de provar que era Eduardo o lobisomem. A noite
avançou e todos adormeceram menos Andressa, estava com a adrenalina à flor da
pele, aquela situação era muito perigosa até pra ela, seu coração estava
acelerado até estava com um pouco de medo, enfrentar um lobisomem dentro de uma
casa não era nada bom.
Depois de chegar às 5 da manhã não
resistiu e cochilou no sofá da sala, mas logo acordou com um bafo quente no seu
rosto, quando abriu os olhos viu apenas enormes dentes na sua frente quase que
do tamanho do seu rosto, Andressa congela sentiu um medo descontrolado, a
criatura a tinha pegado desprevenida, em um pequeno deslize seu, agora poderia
estar condenada, ela consegue depois de alguns segundo de tensão dar um salto
pra trás, mas não o suficiente pra escapar da mão do lobisomem que a acerta
atirando ela pra fora da casa pela janela.
Quando Andressa acordou o
sol já havia nascido, tinha quebrado uma costela por causa do ataque, sua mente
ainda estava um pouco turva, passou alguns minutos relembrando passo a passo o
que tinha acontecido, não se perdoava por ter sido tão burra e ter sido
surpreendida daquela maneira tão fácil, era uma pessoa experiente naquele tipo
de situação, mas agiu como uma verdadeira amadora, mesmo assim tinha conseguido
marca o bicho. Com um pouco de dificuldade se levantou da cama pegou sua arma
que estava em cima da cômoda colocou na cintura e foi pra sala encontrar o
resto dos moradores.
- Onde diabos está seu
marido Larissa? - falou assim que avistou ela.
- Eu não sei o que
aconteceu aqui ontem Andressa, mas não foi o Eduardo que te atacou, ele esteve
comigo o tempo todo, eu juro que ele não saiu do meu lado.
- Não acredito! Vocês estão
juntos nisso, o que é isso? Algum complô pra me matar é isso? Algum tipo de
armadilha? - Andressa puxou a arma. - Chame ele aqui ou eu atiro em ti.
- Eduardo! - ela gritou. -
Isso é um erro Andressa, vamos conversar por favor eu estou implorando.
- Apenas traga ele aqui. -
depois de quase um minuto ele entrou na sala.
- Tu não pode apenas jogar
água benta em mim. - ele estava tremendo da cabeça aos pés.
- Isso não adianta quando
tu está no seu estado normal, apenas tire a camisa e cale a boca.
Andressa olhou a sua
barriga e não tinha nenhuma marca, quando foi acertada pelo golpe do lobisomem,
o mais rápido possível conseguiu fazer uma pequena ferida com sua faca, as
marcas quando em forma humana não desapareciam, Eduardo era inocente, isso
colocava uma pulga atrás da orelha de Andressa que agora estava mais confusa do
que nunca, seu trabalho seria mais difícil que imaginava.
As noites passaram e nenhum
outro sinal do lobisomem, Andressa não dormiu em nenhum desses dias, estava
mais agitada e nervosa do que de costume, agora era uma questão de honra achar
essa criatura, estava investigando como nunca, vigiava cada pessoa daquela
fazenda, anotava qualquer coisa estranha, ainda não fazia sentido pra ela, só
tinham quatro pessoas dentro daquela casa, não teve invasão, tinha que ser o
Eduardo, mas nada o que ela tinha anotado levava a ele.
A ultima noite de lua cheia
estava chegando, Andressa sabia que o lobisomem ia aparecer, quem quer que
fosse estava fazendo muito esforço pra não se transformar, e essa ultima noite
tinha certeza que o lobisomem não resistiria.
A noite veio e consigo trouxe
uma tensão ameaçadora, o silêncio pairava, todos estavam reunidos na sala
quando soou meia noite, Andressa, Larissa, Eduardo, Beatriz e alguns outros
funcionários armados. Quem quer que fosse o lobisomem estava entre eles, não
poderia estar em outro lugar, o resto da fazenda estava vazia, os olhares são
de desconfiança entre todos.
- Preciso ir ao banheiro. –
Beatriz se levanta do sofá.
- Sozinha não. – Andressa
fala.
- Eu vou com ela. – Larissa
segue com ela.
- O resto por favor relaxe,
essa tensão de vocês está começando a feder. – Andressa estava visivelmente
irritada.
Beatriz assim que chega ao
banheiro no segundo andar tenta beijar Larissa que se esquiva, não estava afim
de encontros românticos naquele momento, mas ela insiste, parecia um pouco
descontrolada queria agarra-la de qualquer maneira, tentando se desvencilhar
das investidas Larissa rasga a blusa dela e vê o corte na barriga.
Depois de um grito alto
Larissa é jogada escada a baixo, no alto da escada um lobo humanoide com dentes
enormes e babando de raiva assusta os empregados armados que atiram algumas
vezes e depois fogem. Andressa saca sua arma com balas de prata mira e atira,
mas erra, o bicho pula da escada encima dos empregados que agora estavam
desesperados, arranca a cabeça de um e o braço de outro com um simples
movimento e total facilidade.
Andressa sabia que um
lobisomem era uma besta difícil de ser morta por sua força e agilidade, ainda
mais nesse caso inédito pra ela, um lobisomem fêmea, em todos os seus anos de
estudo com criaturas das trevas nunca antes ela viu isso, mas sabia que o
momento não era pra divagação, mas sim pra ação. Ela joga cadeiras e almofadas
pra chamar a atenção do bicho e consegue, aqueles dentes enormes sedentos por
carne humana estavam agora na sua mira, com um uivo que botaria medo no homem
mais corajoso ele encara Andressa que não fraqueja puxa a arma e atira mais uma
vez, erra novamente, o bicho avança pra cima dela e a derruba fazendo um corte
profundo no seu braço, ela segura a dor e com as pernas consegue segurar o
bicho que estava tentando morde-la a qualquer custo, em um movimento rápido tira
do bolso da jaqueta um apito e assopra, o barulho parece incomodar o bicho que
recua dando tendo suficiente de Andressa pegar novamente a arma que tinha caído
no chão e atirar precisamente no coração da fera.
Andressa parte antes mesmo
de esperar o sol nascer, precisava ir embora antes que os policiais chegassem, pegou
seu dinheiro quando Larissa se recuperou e foi pra estrada. Chegou em casa no
fim do dia seguinte, assim que entrou no seu apartamento encontra um bilhete na
sua porta “Preciso falar contigo o mais rápido possível. Ass. Z.A.”, mesmo
bufando sem vontade ela apenas abre a porta do seu apartamento joga sua bolsa e
fecha a porta novamente.
Caminha algumas quadras e
finalmente chega na igreja, mas antes de entrar sente alguma coisa na entrada,
alguma coisa sobrenatural e aterrorizante tinha acontecido ali, chega a ficar
tonta com tamanha energia no local, recuperada do baque entra na igreja vai
direto no padre que estava no confessionário falando com uma pessoas.
- Saia ninguém está
interessado nas tuas perversões mini mulher. – a mulher baixinha que estava se
confessando com o padre olha torto pra ela.
- O que é isso? – ela
pergunta ao padre.
- Me desculpa Carla, vamos
terminar isso outra hora. – a mulher se levanta e vai embora aborrecida.
- O que você quer
padre? – Andressa falou entrando no confessionário.
- Precisa mesmo me chamar
de padre?
- Por favor, não começa,
fala de uma vez, estou cansada quero ir pra casa.
- Tem uma menina no meu quarto
desmaiada... – ele não conseguiu terminar a frase.
- Não acredito que isso
está acontecendo de novo!
- Não é nada disso Andressa,
é outra coisa venha comigo. – o padre então a leva ao seu quarto.
- Quem é essa?
- Karine, alguma coisa
muito poderosa está em volta dela, ela precisa da sua ajuda. – o padre então
toca o seu braço.
- Não toque em mim, nunca
toque em mim, você sabe muito bem disso, qual o seu problema? Desgraçado, a
nossa consulta acaba aqui. – alguns flashes dá sua infância passam pela sua
cabeça.
- Depois desse tempo todo ainda
não pôde me perdoar.
- Adeus padre, boa sorte
com a sua missão. – Andressa sai atordoada.
- Podia pelo menos não me
chamar de padre, apenas... – ele não teve coragem de terminar a frase.
Alguns dias se passaram
Andressa gastou quase todo o seu dinheiro pagando diversas dívidas que tinha
com pessoas perigosas, só tinha sobrado dinheiro pra comprar algumas bebidas,
novamente estava sem dinheiro. Depois de beber algumas doses de whisky no bar
ela vai meio que cambaleando pro seu apartamento, passa pelo corredor com
dificuldade e encontra a sua vizinha do apartamento ao lado, uma velha
rabugenta que lhe dá um olhar de desaprovação. Andressa senta no seu sofá com
sua garrafa de vodka, bebe no gargalo liga a televisão quando escuta uns sinos
percebe que era natal, desliga a tv e bebe sozinha no silêncio de seu
apartamento.