sexta-feira, 23 de março de 2018

Aquela Parada




Relatórios, planilhas, processos e pessoas chatas, foi isso com o que eu lidei o dia inteiro. Já estou quase no meu limite de stress, se fosse apenas o trabalho aos montes, já seria muito, mas aguentar o mal humor dos outros era demais. Trabalhar em escritório é muito difícil, mesma rotina, mesmas pessoas, mesmos problemas sem solução tudo em um ciclo interminável, que está me deixando muito pra baixo. Finalmente o dia está acabando, é o melhor ainda, é sexta-feira, preciso muito desse final de semana, vou desligar meu cérebro e não pensar em nada, como dizem preciso recarregar as baterias.




Para meu ódio profundo chegou um relatório de última hora, era urgente ser feito o mais rápido possível, faltava apenas dez minutos pro fim do expediente quando essa bomba chegou. Onze horas da noite foi quando consegui terminar aquela merda de relatório, estava zonza com uma baita dor de cabeça, queria matar qualquer um que aparecesse na minha frente, e justamente o cara mais chato da empresa tinha ficado também até mais tarde, e me encontrou na espera do elevador, não sei mais o que de ruim poderia me acontecer hoje.

Tive que ir com ele no elevador contando piadas sujas e sem graça, tive que me controlar pra não enfiar a mão na cara dele, e o elevador parando em cada andar no total de 32, era como um pesadelo. Quando chegamos na rua ele pegou seu carro e foi embora, aquele desgraçado nem para me oferecer uma carona, eu estava sem carro, e agora essa hora da noite tinha que esperar o último ônibus.

O clima até pouco tempo estava seco e abafado, mas assim que cheguei na parada começou a ventar e a temperatura caiu muito. Era apenas eu e a esperança que um ônibus fosse passar, tentei chamar um uber, mas não tinha nenhum na região disponível, nem taxis estavam passando, nesse momento pensei em toda minha vida de merda, precisava muito mudar, perdida nos meus pensamentos olhando pro horizonte notei um encapuzado na esquina.


Cruzei os braços e me encolhi tentando parecer invisível, não consegui ver o rosto por dentro do capuz, ele estava me dando calafrios. As luzes em volta se apagaram, temi que o pior poderia acontecer. Ele começou a caminhar em minha direção, depois de cinco passos ele parou e ficou me encarando, e assim continuou nesse ritual até ficar poucos metros de mim, queria correr mais minhas pernas não me obedeciam.


Ele começou a circular a parada, depois de algum tempo de total pavor, percebi que ele queria me tirar dali, fazer eu sair da parada, por algum motivo ele não podia me atacar enquanto eu estava ali de baixo.


Ele chegou o mais perto possível, e por baixo do capuz era uma imensidão escura, parecia um buraco negro, não sei como definir ao certo, mas ele parecia estar sugando minha energia, tive vontade de correr, mas se fizesse isso poderia ser meu fim.

Uma esperança fez meu coração se acalmar um pouco, uma leve chuva começou a cair. O misterioso cara poderia desaparecer com esse novo evento inesperado, mas ficou imóvel e enquanto a chuva caia encima dele as suas roupas começaram a derreter revelando uma imensidão vazia por baixo, era como um buraco negro em forma de pessoa.


A chuva não estava derretendo apenas as roupas, mas também a parada estava derretendo com a água que caia, e quando o primeiro pingo tocou o meu ombro senti que era um ácido dos infernos, corri dali, não tinha mais o porquê ficar, a chuva aumentou nesse exato momento, não consegui ir muito longe com meus pés derretendo até aparecer os ossos, cai no chão com o resto da minha pele virando uma gosma, mas esse não era o meu fim, como um verdadeiro buraco negro fui sugada pra dentro dele e me perdi na escuridão eterna. 


sexta-feira, 2 de março de 2018

Fragmentada




Assim que abri os olhos estava em um parque, o balanço das crianças ainda em movimento de frente pra trás, alguém esteve se balançando recentemente, talvez fosse até eu mesma, pois não me lembro de como vim parar aqui. O céu estava carregado com nuvens escuras, e raios de vez em quando iluminando tudo, estou confusa, não sei como vim parar aqui, sinto-me cansada e um pouco tonta, minha visão está meio turva queria me deitar o mais rápido possível.




Abro meus olhos novamente, agora estou em um lugar diferente, na beira da praia, dessa vez de noite, o mar agitado trazia ondas turbulentas, o frio era de rachar a pele. No horizonte daquelas águas eu vi um pequeno barco se aproximando, vinha na escuridão sem nenhuma luz para guia-lo, dentro ou fora dele. Não tive reação, fiquei ali parada esperando o que aconteceria. O barco atracou, um homem desceu dele, e veio caminhando em minha direção, vestia uma bermuda branca, e uma camiseta azul rasgada, de pés descalços com um chapéu de palha. Quando se aproximou de mim notei que estava completamente sujo, depois de alguns segundos me encarando ele falou uma coisa do meu ouvido – Mate o padre! – fiquei parada sem entender o que aquilo significava. Ele voltou pro seu barco e partiu pro mar novamente, enquanto estava desaparecendo no horizonte uma criatura surge das profundezas, parecia ser uma serpente gigante misturada com um dragão, o bicho engoliu o barco e voltou pras profundezes.

Abri meus olhos mais uma vez, agora estou no terraço de um prédio muito alto, tão alto que não consigo ver o chão lá embaixo, estou parada no limite de cair, um desequilíbrio eu estaria lá embaixo. Não tive tempo de pensar no que estava fazendo ali, atrás de mim uma porta se abriu, e surgiu o que parecia ser um zumbi, mas em uma versão dez vezes mais bizarra. O corpo todo podre como o de um zumbi padrão, mas ele tinha três braços, um deles saia do meio da barriga, não tinha olhos, parecia que não tinha nascido com eles, os dedos dos pés descalços pareciam garras. Veio se aproximando de mim fazendo um gemido metálico e angustiante, eu quase escorreguei e despenquei daquela altura que seria fatal, mas o zumbi bizarro continuava a se aproximar, eu não tinha pra onde correr, meu corpo ficou mole e quando estava caindo o zumbi conseguiu agarrar meu pé. Foi me puxando pra cima novamente, eu sabia o que ele queria de mim, queria literalmente me devorar, com meu outro pé chutei a cara dele duas vezes até conseguir me soltar, com os braços abertos fui caindo.



Com os olhos abertos estava agora deitada em uma cama, meus braços e pernas amarrados, vestia apenas uma camisola branca, cruzes e imagens de Jesus espalhadas pela parede, estava obviamente em um lugar religioso. Mesmo fazendo força não conseguia me soltar, parei de tentar quando no lado de fora alguma coisa gigantesca estava se movendo, um bicho colossal estava criando tremores no lugar inteiro enquanto passava, as luzes se apagaram, e percebi que não estava sozinha nesse quarto, alguém surgiu da escuridão e parou no lado da cama, passou suas mãos com unhas compridas em todo o meu corpo deixando aranhões em toda a extensão. Eu tremia muito e ele percebeu, colocou suas mãos no meu pescoço e tentou me sufocar, mas logo em seguida, para minha sorte, a luz voltou e aquela pessoa desapareceu com a escuridão. A porta se abriu e um padre entrou, ele parecia mais ameaçador do que a pessoa que surgiu da escuridão.