sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

"Olomoph" - Escrito por Fábio "Darren"

           

       Já era noite. A lua predizia o quão ela seria boa. No final da Rua Bom Vientos, nas casas 43 e 44, dali a poucos minutos, sairiam dois desbravadores. Lucas era magro com a cabeça levemente maior que o corpo, branco e de membros alongados, já Roberto era um gorduchinho moreno, de rosto fechado que todo amigo deveria ter no momento de perigo, ambos tinham 9 anos.

       Exatamente as 22:30 daquela noite fria os garotos se encontraram perto de um caminhão velho estacionado na esquina da Bom Vientos. Com um gesto de mãos os dois confirmaram que estava tudo ok, seus pais estavam dormindo achando que seus filhos também.



          Eles percorreram algumas ruas de bicicleta até chegarem em frente ao “Murão” como era conhecido por eles, mas não passava de uma parede que demarcava o território de uma empresa de fabricação de ração para galinhas. A fábrica estava ali à anos, comprara o terreno a preço de banana de um antigo solado que carregava o terreno a gerações, o velho soldado se mudou da cidade amaldiçoando aquele lugar como “cemitério de hereges”. A empresa tinha um maquinário pequeno, então não usava muita parte do terreno e mantinham a floresta que o cercava.

       
 Lucas e Roberto deixaram suas bicicletas encostada na parede e se dirigiram a um buraco no muro no qual já vinha sido estudado por eles pela manhã enquanto voltavam do colégio. A entrada não foi difícil. Os dois carregavam mochilas e lanternas, que até então estavam desligadas. Até o momento o plano estava acontecendo conforme planejado, agora atravessariam um pequeno campo que era o pátio maior da empresa e entrariam em uma mata um pouco mais densa no final da fábrica, e se guiando pelo mapa que tinha no celular de Lucas, precisariam caminhar mais um pouco e logo estariam no local onde na internet dizia que existia restos dos E.Ts de Bom Vientos enterrados.

         Passaram sem problema nenhum o pátio central da fábrica, sabiam que àquela hora os guardas em suas guaritas estariam assistindo a final do campeonato estadual. Pularam uma pequena certa de arame e invadiram a mata. Ligaram suas lanternas e repassaram as primeiras informações.

          Lucas informou a Roberto que se caminhassem ao norte por mais 30 minutos chegariam a uma grande pedra em forma de pera, e a partir dali, era só seguir mais 15 minutos a esquerda até chegar no local onde supostamente a nave tinha caído no caso da Invasão a Bom Vientos. Roberto concordou com tudo sem questionar muitas coisas, porém desconfiava de algo.

         Na medida que iam entrando mais fundo na floresta, os sons da pequena cidade iam sido substituídos por galhos quebrando, animais rastejando, aves agourando e pequenos olhos surgiam quando suas lanternas penetravam cada vez mais a floresta.

        O caminho até a Pedra da Pera foi tranquilo, mesmo com os olhares desconfiados de Roberto, que notava cada movimento novo em sua volta, ele sabia que estava tudo dando certo, quando reclamou a Lucas que sua barriga estava roncando de fome.




       Lucas resmungou e concordou, tirando da mochila um lençol que foi posto no chão onde os dois puderam se sentar enquanto comiam seus salgadinhos. Durante a conversa sobre o que fariam quando chegassem lá, Lucas notou algo estranho, ele tinha carregado a bateria do seu celular durante toda a tarde, e antes de entrarem na floresta tinha checado o celular que informava 89% de carga e de repente o celular desligou sem nenhum motivo aparente. O medo por um estante surgiu próximo a eles. Lucas decidira continuar o caminho mas por muita insistência e ameaças de Roberto resolveram voltar.

        O caminho de volta parecia mais longo, eles tinham a sensação de estar na floresta a mais de horas sem conseguir achar o pátio da empresa. Tentaram riscar as arvores a fim de verificar se já tinham passado por elas. Lucas começou a chorar de medo enquanto Roberto tentava bolar algum outro plano de saírem dali, mas sem sucesso.

      Viram ao longe, pequenos flashs luminosos e sons constantes, porém baixos, parecia uma espécie de martelo batendo em algum tipo de pele ou pano grosso.

“Achamos a Fábrica”



      Correram em direção a batida que cada vez ficava mais audível e os flash agora se transformaram em uma luz vermelha dançante e constante no meio da floresta. O som ganhara um ritmo frenético, vozes podiam ser ouvida, mas não compreendidas. Lucas e Roberto chegaram mais próximos do local e puderam ver em uma clareira natural no meio da floresta talvez a cena mais bizarra e profana que as crianças já tinham visto: um grupo de humanoides esqueléticos dançavam histericamente em torno de uma grande fogueira, essa fogueira que ao centro carregava um grande ídolo de pedra negra. A estátua tinha cerca de 2 metros, mostrando uma criatura medonha e demoníaca de 5 chifres espalhados por toda a cabeça, 3 olhos arregalados sendo o terceiro ao centro da testa, uma bocarra sedenta com dentes caninos e um corpo de serpente que ao centro da costa trazia azas de morcego. Os seus adoradores fétidos pintados de preto e vermelho, cantavam em alto e bom som numa linguagem jamais ouvida pelos dois, eles malmente conseguiam entender a frase repetida inúmeras vezes pelos demônios dançantes.




“Kabrlahl yunet Olomoph derthum”

      A lua brilhava cada vez mais forte, o cântico dos seres dantescos que dançavam afetava sobrenaturalmente tudo ao redor. Animais eram atraídos emitindo os sons mais desesperadores possíveis, pássaros voavam ao redor da fogueira berrando seus agouros e defecando sob os dançarinos nefastos.

         Em um arbusto pouco afastado da clareira, Lucas e Roberto entraram em uma espécie de transe espiritual, não conseguiam mais controlar seus corpos que agora caminham em direção a fogueira do Deus Olomoph, o senhor dos ventos.

         Os idólatras começaram a dilacerar coelhos, esquilos, raposas e qualquer animal que tivesse sido atraído pelo canto hipnótico se banhavam com o sangue deles. Enquanto os garotos caminhavam em direção a fogueira, outros adoradores abriram caminho estripando animais e jorrando sangue e vísceras em Lucas e Roberto.

        “Kabrlahl yunet Olomoph derthum”

       Os meninos agora também repetiam a invocação. Pararam em frente a fogueira, se ajoelharam e olharam a lua eclipsar em fogo, fazendo passagem para a visão mais horrenda que iriam ver em toda sua vida, um corpo pútrido em forma serpente descia dos céus em direção a eles. Quando Olomoph pairou sobre a fogueira, todos os outros idólatras se ajoelharam também, cantando e chorando cada vez mais alto a invocação de Olomoph.

    A serpente demoníaca de 5 chifres, com olhos flamejantes respondeu sem mover sua fétida e bolorenta boca. O som indecifrável parecia reverberar do coração da floresta. As criaturas ferozes e imundas gritavam agora, agonizando, chorando, pulando, mordendo uns aos outros, matando todos os animais que estavam em sua volta com suas próprias unhas. Olomoph olhou em direção aos garotos, quando seu terceiro olho brilhou fazendo com que Lucas e Roberto repetissem.

           “Kabrlahl yunet Olomoph derthum”

        O diabo escancarou sua boca ensanguentada em frente dos garotos, que agora gargalhavam, choravam e se abraçavam de felicidade. Repetindo sem parar a blasfema invocação daquele imundo demônio quando foram dominados pela escuridão.

       Após 7 incansáveis anos de procura pelos pais e a polícia local, o caso dos garotos Lucas e Roberto foi arquivado sem resposta nenhuma. A fábrica foi fechada 5 meses após o incidente, o dono declarou falência se mudando da cidade sem dar vestígios nenhum. Relatos de moradores afirmam que durante as madrugadas de lua cheia, podem ser ouvidos gargalhadas de crianças vindo da floresta.



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